segunda-feira, 23 de junho de 2014

Bom dia, leitor. To brincando de Hilda Hilst

Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá
de teta
de azul
de berimbau
de doutora em letras?
E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...
Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?
Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?
nave
ave
moinho
e tudo mais serei
para que seja leve
meu passo
em vosso caminho.
Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca
mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.


(Hilda Hilst)

Vamo brincá de oiá no zóio do outro que é pra ve se vale a pena  a gente ainda acreditá? Pra vê se não mira outra coisa e se ainda sabe inganá? Vamo brinca de enrolá o cabelo, fazê cafuné, dormi de perna enroscada, bejá na boca, brigá e depois perdoá?  De dizê asneira e tolice e de ri de se acabá? Vamo brincá que ninguém mais sente saudade, que joga pó de pirimpimpim e do meio da fumaça saí tudo que  gente quizé? De banderas ao vento, de velas, navios, viagem, de mala  e compartimento, que é pra guardá tudo que é lembrança boa, e depois quando dé saudade, é só abri e puxá? Vamo escrevê um poema e nas letra e nas linha combiná de se encontrá?  Fazê de conta que não ouviu, não viu, que esqueceu, do que mesmo a gente tava falando? Que dexô de amá, que tá tudo certo,  então vamo aproveitá? Enjoy, carpe diem! bom dia proceistudo! Vamo fazê bola de chicletes, enfiá o dedo e estorá? De apagá a linha do horizonte, e de vê o céu caí sobre o mar? De deixá um azulão danado, tudo bem misturado e de vê os peixe, confuso, voá?
Comê um pacote de butter toffees, não fazê ideia do que é celulite, gordura localizada, pneu na cintura... What? Vamo brincá de se feliz, se idiota, ri da própria desgraça? De oferecê a mão, os ombro, os ouvido. De emprestá o vestido, o batom... de eu te emprestá meus pés e você, seu par de asas? D'eu te dar meus olhos [d'água] e você, seu mar inteiro? Vamo brincá de te dinheiro?
De viajá pros esteites,
De se chique,
Se leidi.
Fingi que sabe escrevê
Que não tem nada pra fazê.
Boa dia, leitor. To brincando de Hilda Hilst.

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