terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Que 2015 venha gentil, venha suave, venha sorrindo. Pode vir com ou sem opcionais. Pode ser simples, básico, com alguns itens de série, mas que não encrenque e não pare de funcionar de repente. Não precisa ser nenhuma edição extraordinária, mas traga o essencial: amorosidade, encantamento, ternura. Que venha sopro e chama, que nos incendeie e acalme. Não precisa de rima ou versos retos, mas é indispensável poesia. Um ano sem muita aspereza, de caminhos limpos e obstáculos suficientes. Tranquilo mas não tanto, pulsante, mas não tanto, o bastante para algum frio na barriga. Que venha de portas abertas e cortinas balançando suavemente nas janelas. Venha brincalhão e sensato, com o viço da criança e a sabedoria do ancião. Que venha em pequenas epifanias e compreensões menos fragmentadas. Que seja aprazível, antiderrapante e que não nos esfole os joelhos. Joelhos no chão só para reforçar nossa fé. Que não nos faça sofrer, que não nos pegue chorando. Que nos permita o convívio com quem nos faz bem e não nos roube os momentos raros. Que venha generoso, que não nos apresente apenas um caminho, mas nos presenteie com um mapa de possibilidades. Não precisa ser standart, pode ser simples, mas que venha gentil, venha suave, venha sorrindo...

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Streap Tease

E se chega assim
sem pedir licença
Me lê
me narra
descreve
decifra meus códigos
e me deixa assim...
desnuda
sem resposta
de que me vale
o corpo fechado
se a alma é exposta?

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Bom dia, leitor. To brincando de Hilda Hilst

Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá
de teta
de azul
de berimbau
de doutora em letras?
E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...
Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?
Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?
nave
ave
moinho
e tudo mais serei
para que seja leve
meu passo
em vosso caminho.
Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca
mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.


(Hilda Hilst)

Vamo brincá de oiá no zóio do outro que é pra ve se vale a pena  a gente ainda acreditá? Pra vê se não mira outra coisa e se ainda sabe inganá? Vamo brinca de enrolá o cabelo, fazê cafuné, dormi de perna enroscada, bejá na boca, brigá e depois perdoá?  De dizê asneira e tolice e de ri de se acabá? Vamo brincá que ninguém mais sente saudade, que joga pó de pirimpimpim e do meio da fumaça saí tudo que  gente quizé? De banderas ao vento, de velas, navios, viagem, de mala  e compartimento, que é pra guardá tudo que é lembrança boa, e depois quando dé saudade, é só abri e puxá? Vamo escrevê um poema e nas letra e nas linha combiná de se encontrá?  Fazê de conta que não ouviu, não viu, que esqueceu, do que mesmo a gente tava falando? Que dexô de amá, que tá tudo certo,  então vamo aproveitá? Enjoy, carpe diem! bom dia proceistudo! Vamo fazê bola de chicletes, enfiá o dedo e estorá? De apagá a linha do horizonte, e de vê o céu caí sobre o mar? De deixá um azulão danado, tudo bem misturado e de vê os peixe, confuso, voá?
Comê um pacote de butter toffees, não fazê ideia do que é celulite, gordura localizada, pneu na cintura... What? Vamo brincá de se feliz, se idiota, ri da própria desgraça? De oferecê a mão, os ombro, os ouvido. De emprestá o vestido, o batom... de eu te emprestá meus pés e você, seu par de asas? D'eu te dar meus olhos [d'água] e você, seu mar inteiro? Vamo brincá de te dinheiro?
De viajá pros esteites,
De se chique,
Se leidi.
Fingi que sabe escrevê
Que não tem nada pra fazê.
Boa dia, leitor. To brincando de Hilda Hilst.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

poesia não serve pra nada
é das maiores inutilidades da vida
não deduz imposto de renda
não mata fome, não enche barriga
não acumula pontos
não dá dias pra aposentadoria
não te deixa mais magro
nem tampouco mais bonito
não atrasa as rugas
nem enrijece músculos.
não serve para nada também um poeta
de que vale ver a beleza do mundo
se a feiura impera?
Ingênuos todos os poetas
em vez de caixa de ferramentas
continuam a carregar sua caixa de brinquedos
feito meninos com seus carrinhos de rolimã
escorregam palavras poema abaixo.
O que se faz com um poema?
nada, direis.
Uma vassoura é útil
mas um poema...
não há o que se fazer com ele
e ainda assim, escreveis
que seria se desse dinheiro?
seria o céu
e os anjos venderiam poemas
em feiras na praça
poesia a céu aberto!
haveria poemas para todo gosto
de toda cor, preço e tamanho
os químicos testariam fórmulas
com as mais perfeitas combinações de palavras.
Os professores não trabalhariam com métricas
ensinariam cheiros, sabores, memórias...
o mágico, transformaria palavras comuns
em analogias perfeitas.
haveria fábricas de palavras por todos
os cantos do céu.
e os livros seriam a moeda corrente. [E.Z]

domingo, 26 de janeiro de 2014

Desenhador de rotas

Você pode deixar tudo como está, conservar-se na sua zona de conforto. Mas haverá sempre a possibilidade de refazermos a rota caso nossa bússola interna aponte erros de cálculo e equívocos na direção. Haverá sempre mais que um caminho. Nunca um único. E a vida é feita de escolhas, aprendemos isso cedo, embora as vezes diante da dúvida inquietante da decisão, preferíssemos passar o ônus adiante, fornecer uma procuração pra que alguém respondesse por nós. A liberdade tem dessas coisas. Imatura é nossa ideia juvenil que acredita que liberdade é a melhor coisa que existe. Não é. Ou melhor dizendo, nem melhor, nem pior. É tão somente a condição de nos dá, como já disse Augusto Comte "o direito de fazer o próprio dever" Não há bônus sem ônus. Normalmente não é isso que acontece, salvo alguns poucos acasos afortunados que excedem à regra esse é o preço e não há como fugir. É o custo da gente crescer, ser gente grande. Todo mundo, nesse andar que é a vida vai se deparar com incontáveis pedras no caminho, porque no meio do caminho tem sempre uma pedra, já avisava Drummond. Até aí é igual pra todo mundo, a diferença é o que vamos fazer com elas: construirmos castelos ou enfiá-las nos bolsos e mergulhar em um rio. As escolhas...

Escritos

Estava escrito nas estrelas, no bilhete entregue pelo pombo correio,foi  profetizado nas cartas, lavrado em ata, perfurado nos troncos das árvores, cravado na pedra, exposto no outdoor, tatuado na pele, pichado no muro, decifrado nos códigos, aconselhado pelos astros. Saiu no jornal, os fogos no céu revelaram, foi desenhado na areia,  descoberto na parede das cavernas, saiu em decreto, virou manifesto, o mapa apontou: Só havia um caminho.

[...]

Amar é um verbo doído desde sua raiz, na sua origem, no seu radical. Amor é dor que desatina sem doer já disse Camões e assim como nos arrebata de alegrias nos preenche de seus contrários. É uma espécie de pacote. Não tem como levar só amor. Não se vende amor no varejo e há sempre a possibilidade, o risco. A gente leva e, pacote aberto experimenta a dor e a delícia. Amor dói principalmente porque no pacote vem junto distância, saudade, convivência com a dor do outro que amamos, perda, frustração, decepção. E que não venham com essa conversa que amor não faz sofrer. Faz sim. Amar dói tanto que até seu contrário que suporia ausência de dor, dói. Desamar dói tanto quanto. É um processo doloroso que não tem a ver com deixar de amar, mas com desaprender para reaprender de um jeito diferente porque há mesmo muitas formas de amor. O amor é uma espécie de camaleão dos sentimentos, troca de roupa e se camufla conforme as circunstâncias. E amar, esse querer estar preso por vontade, dói. Porque sabe-se como barco no porto que sua natureza é o fluxo, o curso, o movimento, que seu destino não é o cais. E é preciso desancorá-lo, soltar as amarras e deixar ir. Desamar é difícil pra caramba! Porque a gente não quer, a gente não quer, mas a gente precisa. Para doer menos! [E.Z]